quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Entrevista com Eliane Brum



Esta é uma entrevista que realizei com Eliane Brum, pra mim a melhor jornalista do mundo. Segue:

Eliane Brum é gaúcha de Ijuí. Jornalista, escritora e documentarista, trabalhou 11 anos no Zero Hora de Porto Alegre e depois, 10 anos na Revista Época em São Paulo. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de Coluna Prestes - O Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém Vê e O Olho da Rua (Globo). Eliane Brum é uma jornalista rara. Narra os pequenos e grandes gestos da vida comum, do povo, como se fossem os gestos dela própria, tamanha a sensibilidade pra contar as histórias dos outros. Dona de um estilo próprio, deveria ser chamado "Estilo Eliane Brum", único, vivo, mexe com nossas estruturas, emociona, ensina. Vamos conversar com esta premiada repórter, mas acima de tudo uma pessoa premiada, Eliane Brum:

Por que o interesse pela vida que ninguém vê, aquela que a grande imprensa ignora?

Acredito que uma das atribuições do jornalista é justamente iluminar os cantos escuros. Conseguimos isso arrancando a cortina enganadora da banalidade, do óbvio, e mostrando o que há atrás. Cada um encontra o seu caminho de fazer isso. O meu é bagunçando a suposta ordem das coisas. Vivemos num mundo em que um dos valores é ter fama, aparecer, ser supostamente imp ortante. Ao escolher o que contar, o que transformar em manchete, a imprensa, em geral, reforça estes valores. E, assim, deixa na sombra uma parte do mundo, a maioria das vidas.
Com o meu trabalho, procuro inverter esta lógica, mostrando que não existem vidas comuns - nem vidas anônimas. Cada um de nós é um fenômeno irrepetível e singular, único na história do universo. Somos uma poeira, mas uma poeira de estrelas, como dizia o Carl Sagan. Sendo assim, nossa vida é importante no melhor sentido, no sentido de que tudo o que deixarmos de fazer não será feito, porque só nós podemos fazer do nosso jeito e o que não fizermos será a marca de uma falta no mundo.
Acredito muito em resgatar a importância essencial da vida de cada um para criarmos um mundo em que seja possível viver e deixar viver. A lógica das supostas celebridades, cada vez mais instantâneas e desesperadas, serve para nos esmagar. Como repórter, eu busco virar isso do avesso. E most rar que não existem vidas comuns, mas olhos domesticados. Infelizmente, os nossos.
Neste sentido, me considero uma repórter que conta desacontecimentos. Eu não me interesso por "acontecimentos", quebras de rotina, exceções. Me interesso pelo que se repete, pelo que nos aproxima. É isso que me espanta. Pelo meu trabalho, busco fazer uma provocação para que as histórias reais que eu conto instiguem cada um a questionar seu modo de olhar para a vida dos outros -e, principalmente, para a própria vida.

Qual o maior desafio que você teve para escrever uma reportagem?

Ah, cada reportagem é um desafio. Alguns, claro, mais difíceis. Meu último grande desafio foi a reportagem em que acompanhei os 115 dias de uma mulher com câncer incurável. Tive de me confrontar com meu medo da morte e com a dor de amar alguém que iria perder em seguida. E, ao mesmo tempo, me manter num lugar de escuta, para minha presença não alter ar a sua narrativa. É o último capítulo do meu livro O Olho da Rua. Se vc não tiver o livro, é possível achar a maior parte do material na internet. Em "Minha vida com Ailce", vc pode buscar pelo google, conto como foi fazer esta reportagem.

Aquela mais difícil de ser feita?

Não tem uma mais difícil. Todas são difíceis, cada uma a sua maneira. A que eu citei antes foi a última mais difícil. Estou terminando agora um documentário, que para mim é uma grande reportagem, sobre a última turnê e a primeira campanha política da rainha do rebolado, a Gretchen, e foi um processo dificílimo que consumiu parte dos últimos dois anos. Eu tento estar sempre fazendo coisas difíceis, porque acho que a vida serve para isso. Cada mergulho me leva mais para perto de mim mesma.

Como é o seu processo de gestar uma reportagem, desde o interesse pelo tema até a finalização?

O grande desafi o, para um repórter, é ter a coragem de se esvaziar para ser preenchido pelo mundo do outro. É um ato de desapego e de risco. Depois, preenchido pela realidade outra, é como uma gestação em que você, com tudo o que é, elabora a novidade do mundo do outro. Ao final, o parto é uma reportagem. Se ao final deste processo você não mudou, a reportagem não aconteceu.
Para que ela aconteça você tem de encontrar um equilíbrio muito difícil, que a gente vai aprimorando por toda a vida, que é o de estar ao mesmo tempo com os dois pés enfiados na lama da realidade e, ao mesmo tempo, olhando esta realidade do outro lado da rua. Dentro e fora ao mesmo tempo.

Você acha que o jornalismo pode modificar o mundo? Como você vê o jornalismo hoje?

Acho que não só pode, como muda o mundo, inclusive quando é mal feito.
Como disse na resposta à primeira pergunta, quando iluminamos os cantos escuros da realidade, as pessoas deslocam o seu olhar e isso provoca uma mudança. Cada um do seu jeito, com o melhor que pode ser. Passamos a vida buscando a nossa própria voz. Quando é feito com verdade, o jornalismo é uma busca que muda o jornalista e o mundo que ele conta. Além de iluminar os cantos escuros, nós arrancamos a interpretação da realidade da esfera limitada do branco e do preto e trazemos para a zona cinzenta, que é a zona das nuances e da complexidade.

Como você se sente sendo uma jornalista reconhecida e premiada?

Me sinto estimulada a continuar saindo da zona de conforto e fiel à verdade da minha busca.

Nenhum comentário:

Postar um comentário